30 de janeiro de 2015
Entressafra
Solo em repouso.
Não ouço o sopro da pausa.
Não ouso mexer em minha ausência.
Sou a casa em que me falto.
Sou o salto em que me espero
na sala de estar da terra.
Adubo-me em ferro aerado.
Assim, semeio-me mais forte.
Sempre!
Preparo-me entre o arado
com areia nos veios dos cortes,
embora quisesse crescer no mar,
numa pequena lavoura de água
e sal.
Salmoura que florescesse a cicatriz
na semente principal.
25 de janeiro de 2015
Sobre como se falar em Paz num Poema
![]() |
Monet |
Cosia um tempo
de coisas sem perigo,
para que a recompensa
um dia desconfiasse do medo,
de modo esquecedor.
Afiava na vida
orgulho e agulhas acidentais.
Tecia metais de perdão
ao longe,
bem próximo da espera.
Gostava de fechar os olhos
e costurar algo
como um lago de logo
tudo vai passar.
Dobrava com cuidado
cada lágrima no enquanto.
- adaptava-as ao lago -
Tinha dias da vida se rasgar
inteira.
Tão cedo não se fiava mais
nos remendos de Deus.
Desfazia por si mesmo
os pontos cegos
e seguia.
Em paz.
19 de janeiro de 2015
Extremidades
![]() |
Volumes e Volúpias - Mayra Lamy |
"Minha cabeça estremesse com todo o esquecimento.
Eu procuro dizer como tudo é outra coisa."
Herberto Helder
Para cada extremo há um tremor,
um movimento de dor às cegas,
treinando a fuga no corpo de alguma trégua.
Para cada trégua há uma pedra
guardada
no sangue dos reconcílios.
O amor é filho incerto da promessa
que nunca é dívida dividida
mas dúvida sem quitação.
Para cada extremo há uma extrema-unção,
compressa de alma e sal
que leva o raso da vida
e lava as razões
pelo lado de dentro das feridas.
É preciso ausências mais fundas
para o abrir das novidades.
É preciso distanciar-se de si mesmo
para abrigar as jaulas vazias do retorno.
E pertencer às solturas;
ter as malas sempre prontas
para um lugar inédito de prantos.
Nunca isento. Mas imediato.Extremo.
Cheio de tanto.
11 de janeiro de 2015
À Queima-roupa
Curva-me em rio o tiro repetido
a esvaziar o peito.
Todas as dores, antes unânimes em mim,
agora são lemes mas não reagem.
Crava-me a margem de que sou feita,
de onde já posso desossar os sonhos.
Eu, que nunca fraturei um,
por natureza ou recompensa,
descanso todas as metades
mal matadas da vontade.
Alivia-me a crença machucada
nos dedos abertos em cordas...
de arames e alardes farpados.
Ausenta-me a fuga enfim aceita
nos muros da morte.
Corta-me em peixe e em pedra;
joga-me em iscas, o sorriso em lascas...
E nunca mais me busques do que preciso.
9 de janeiro de 2015
Banho de Mar
Gostava de abrir os olhos embaixo d'água
e chorar em estado de prece. Sem pressa nos pulmões, embrulhava o corpo no mergulho gasto da fé. A mesma fé que nunca lhe prometera nada. Queria solucionar a alma e suas fisgas. Solicitava reverter soluços em peixes que sonhassem para ela. Sem anzol.
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